O valor do serviço (Bogotá, Colombia)
Já me devem achar um pouco repetitiva, quando falo da boa atitude dos colombianos. Mas que culpa tenho eu de ser presenteada diariamente com factos que não permitem ser desprezados?
O contrato que tenho com o apartamento onde vivo inclui as despesas de água, electricidade, gás, internet e outros meios de comunicação que praticamente não utilizo.
Neste cenário, não devo preocupar-me com contas, recibos, prazos de pagamento e outras burocracias que, por acaso, até detesto. Consigo ser óptima gestora de outrem, mas o troféu de pior dona-de-casa nestes assuntos está sempre reservado para mim, sem qualquer hipótese a concorrentes, por mais gulosos que sejam.
Não me deveria preocupar com contas, até ao momento em que sou surpreendida com uma tentativa de corte do gás. A primeira coisa que me veio à cabeça: "Ainda não tomei o meu rico banho, ainda por cima acabo de correr 9,8Km...". A segunda coisa foi: "O almoço já está pronto, as poderosas lentilhas safaram-se ao corte com uma pinta". O terceiro pensamento teve a ver com a minha querida Luanda, que (tão bem) me ensinou a desvalorizar esse tipo de perdas, afinal de contas, falta-me o gás, mas tenho luz, comida que se farta no frigorífico e água fria que só me faz bem à circulação.
A Daisy - a doce colaboradora que vem cá a casa uma vez por semana, que toma as rédeas com afinco, que organiza e cozinha sempre de óptima disposição, que me acompanha às quartas-feiras - veio dar a notícia como se o mundo estivesse a acabar, tal era a preocupação da danada. Eu, que não podia interromper a chamada internacional e importante, disse-lhe apenas que tentasse negociar com os técnicos (daquela forma como se faz em Angola) e que iríamos tentar resolver o problema ainda hoje.
Passei mais de 20 minutos ao telefone e, quando fui à procura da Daisy, tinha sumido sem dizer nada.
Enchi-me de coragem para tomar o meu duche gelado e foi com atitude que a água saiu do chuveiro a ferver. A ferver. Ainda havia gás!
Desci à portaria e pedi informações ao porteiro, pois estava completamente à toa. Imagine-se, fui perguntar ao porteiro onde andava a (minha) Daisy.
- Dei 10 mil pesos aos técnicos para que não cortassem o gás. A administradora do edifício emprestou 40 mil pesos à Daisy que saiu daqui a correr para ir pagar a tal factura nos serviços. Os técnicos ficaram de cá voltar no final da tarde para confirmar o pagamento da factura e assim ter o assunto arrumado - transmitiu-me o porteiro com toda a tranquilidade e eficácia deste mundo
Bom... Fiquei sem palavras!
Em menos de 30 minutos encontraram a solução e já estavam prestes a resolver o assunto sem que me mexesse uma palha.
Subi ao apartamento, com um sorriso nos lábios e com um apetite já destruidor, pois aguardavam-me aquelas lentilhas carinhosamente confeccionadas pela Daisy.
A super Daisy regressou triunfante, com o recibo na mão e orgulho de dever cumprido.
Quando lhe dei os valores para que pudesse devolver à administradora e ao porteiro, ela só repetia: "Muy amable! Muchas gracias! Muy amable!". Na cabeça dela, eu não tenho nada a ver com o assunto (ela, muito menos), então surpreende-lhe que eu esteja a colaborar.
Noutra terra qualquer eu teria ficado sem gás e sem nada com que partilhar.
É este o valor do serviço.
Amor com amor se paga!
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