Raquetadas de Luanda

Faz mais de um ano que desconsigo escrever uma única palavra.
Tentei atirar as culpas à pobre Luanda e sua energia possessiva.

Luanda é obsessiva. Nas cores, na boa onda, nos afectos, nas emoções e na mosquitada.

O melhor amigo, o mais fiel, aquele que não te larga por nada deste mundo, é o mosquito. E os exemplares luandenses têm uma inteligência acima da média, não apenas pela habilidade de se esconderem dentro do armário, do pc, da mala, debaixo da almofada ou invisivelmente na cabeceira da cama, etc, à espera de uma oportunidade para boicotar o sossego da vítima.
Aquele zumbido às tantas da madrugada tira qualquer um do sério. E eles sabem disso.

O mosquito é que manda aqui. Desenganem-se os que acreditam que o Mais Velho é quem manda. Afinal de contas, o pessoal vive em função do mosquito. Quem é suficientemente louco para deixar a janela aberta de manhã com o intuito de arejar a casa? 

Numa daquelas noites de verão insuportavelmente quentes e adicionalmente enlouquecedoras porque não há luz para ligar o ac, chega-se a transpirar mais do que numa aula de zumba (dizem que está na moda) e, mesmo assim, é preferível curtir o suor do que abrir a maldita da janela.

A renda de um apartamento no primeiro ou segundo andar chega a custar significativamente mais do que um no décimo andar num prédio, muitas vezes sem luz nas escadas, e sem elevador. Nunca percebi a razão. Vejamos, para além de permitir poupar no ginásio e oferecer muitas vezes uma linda vista nocturna (à noite, a lixeira não tem vida), o décimo piso não contratou os serviços dos mosquitos, já que não conseguem voar tão alto.

Mas os amigos chineses vieram revolucionar a chacina da mosquitada. Introduziram uma raquete que permite igualmente poupar no ginásio e ainda aliviar o stress do dia intenso. É um utensílio em forma de raquete que provoca choques eléctricos aos mosquitos, deixando um agradável e triunfante cheiro a queimado, cuja intensidade aumenta com o porte musculado do mosquito. Os modelos mais modernos já vêm acoplados de um carregador da bateria.

Tenho uma raquete no quarto, outra na sala e mais uma no carro.

O meu desporto favorito passou a ser distribuição de raquetadas a torto e a direito.

O mosquito consegue desenvolver em nós um instinto assassino, jamais conhecido no nosso ser. Tantas vezes dou por mim a desejar ter um mosquito para abusar do poder da raquetada, dos movimentos contemporâneos, enquanto me delicio com a melhor música que contribui para aumentar o prazer. 

A raquete veio substituir o livro da cabeceira. Ela consegue, às escuras, chamuscar aquele mosquito mais escondido que se preparava para atacar ao meio da noite. Basta apertar no botãozinho do “on” e ficar à espera que o mosquito seja atraído pelo dispositivo assassino, mantendo os olhos fechados, para aumentar a ilusão de que estamos a ter o melhor sonho.

Quem me conhece sabe que sou uma das vitimas favoritas dos mosquitos. É uma relação de amor-ódio. Na maior parte das vezes, funciono como repelente para os que me rodeiam. 

Nos tempos anteriores à raquete, um mosquito tinha o poder de me fazer perder a razão, depois de em poucos minutos me ter desenhado uma tatuagem com as numerosas picadas. Ou naquelas tantas noites que nem conseguia dormir, nem eliminar o mosquito que me atazanava o espírito. 

Espero que o mandatário não se lembre de transmitir aos restantes mosquitos o que aqui escrevo, caso contrário, lá se vai outra vez a vontade de escrever. 

Os muadiés são demasiado inteligentes. Será que um dia descobrem o mambo da raquete?






Luanda, 15 de Agosto 2015

Comentários

  1. Uauuu, mortei com este texto. Estava a imaginar-te a contá-lo com voz. Keep writing. Valeu.

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  2. A melhor descrição que já li sobre esta espécie e pela luta que nos dá!
    Já agora onde posso arranjar uma dessas raquetas recarregáveis, para aderir a esse desporto? eheh

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    1. Obrigada mana!!!!
      Normalmente estão a venda na estrada da Samba.
      Na próxima vez que os vir, compro-te duas (para jogarem a par)

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  3. L! Gostei imenso da tua descrição relativamente a esta nova modalidade. Abraço.

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    1. eheheheh merci K! É aquele desporto que facilmente nos tornamos campeões :) Bjao

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  4. Luda ❤️
    É difícil tentar separar o meu lado emocional ,a minha ligação contigo para tentar postar um post imparcial, mas porque separar ? na realidade não somos família mas o que me uniu foi a tua é a tua nobreza de espírito ,a nossa união foi entre almas .
    Penso em ti à distância e saem-me lágrimas de alegria .
    A tua coragem única ,o teu acreditar em magia faz de ti um ser humano especial ... tudo isso para dizer que teu trabalho fotográfico / jornalístico faz justiça ao teu ser nada mais que um reflexo de ti graças a Deus .
    Te amo amiga ...amiga que escolhi como irmã de vida nesta e em muitas outras.

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  5. Lijoca, sabes mesmo como deixar-me sem palavras...
    A nossa ligação é de inspiração mútua, respeito, admiração e liberdade.
    A tua leveza de espírito e a forma como abraças a vida contagia-me e por isso escolhemo-nos como irmãs.
    Love you tcheu <3

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