Faz parte da nossa vida - VêSó Rangel
Quando cheguei estavam todos a postos para mais um VêSó, desta vez no Bairro do Rangel. Este era especial. O último para o Germano, o primeiro do Nicolás.
Às vezes não apetece fotografar com a máquina. Nesse dia o meu mood estava mais direccionado para fotografar com a boca, com os olhos e com a alma.
Comprar banana-pão assada em troca de todos os dedos de conversa; mais uns passos adiante e tratar a ginguba por tu; usar os dedos para cortar um abacate nacional ao meio e saboreá-lo ali, descontraidamente, sem colher nem cerimónia, como se já não comesse há dias (no que toca a abacate era verdade).
Gosto de apreciar a alegria estridente dos fotografados ao ver a própria imagem no ecrã da máquina. Não existe maior emoção para um fotógrafo que capta momentos com a alma do que a gargalhada sonora e genuína dos modelos.
Nicolás está a percorrer África com a sua bicicleta. Transporta cerca de 80 quilos de logística em cada pedalada. Prefere terra batida a tapete de asfalto chinês. Parece que a poeira é que o leva à magia, às comunidades típicas e perfeitamente enquadradas com a natureza. Que não ostentam nada material, mas dividem o pouco pão que comem com o visitante inesperado e ainda oferecem sorrisos, amor e compaixão.
É argentino, fala chinês e lançou-se à África pura com os pedais.
http://www.nicolasmarino.com
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O napolitano Germano não tinha exagerado quando me disse:
- Anda cá mana, tens de conhecer uma pessoa que tem mais recordes do que tu!
Já fez toda a costa leste e está neste momento a subir pelo ocidente. Chegou a Luanda e foi acarinhado pelos angolanos. A amiga Ana abriu-lhe as portas para o melhor de Angola.
Quando começou a charla no Espaço Bahia na marginal, não imaginava que seria convidado para acompanhar a malta do VêSó na próxima saída fotográfica que estava agendada para o sábado seguinte.
A Sheila diz que todos os VêSó são chefes. Mas é ela quem eu vejo, com o seu jeito subtil, a comandar as tropas.
VêSó, como o nome diz, é um projecto de ver. Ver com olhos de ver. Neste caso, com objectivas, desde fixas a objectivas que mais parecem uns balázios.
É também um modo de ver com todos os sentidos, cujos odores se misturam com trocas de olhares, paleio do bom e toques de kuduro.
Surgiu com a vontade de registar fotograficamente os bairros pobres de recursos e ricos de sentimento, criatividade e vida, que tendem a desaparecer com a tal da requalificação da cidade de Luanda.
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O meu primeiro VêSó, no bairro do Cazenga, foi viciante. Nesse dia percebi a razão pela qual voltei a Luanda, depois de dois anos e meio fora.
A Malta do VêSó tem um denominador comum: usar os sentidos sem filtros. Só têm filtros para os standards de Luanda, desde a competição desenfreada, o olhar para o próprio umbigo, a sede de gastar 150 dólares num jantar, as indumentárias chiques só para inglês ver, a luta pelo poder, a vontade de ultrapassar o próximo no trânsito, etc.
Cerca de um a dois meses depois da saída fotográfica, organiza-se uma exposição naquele mesmo bairro, onde são expostas cinco fotografias de cada autor e oferecidas ao fotografado que aparecer e identificar-se na mesma.
VêSó chega a juntar mais de quarenta fotógrafos entre profissionais e amadores, todos com a mesma paixão de ver.
Ainda íamos a meio da nossa caminhada pelo bairro, quando um batalhão da polícia resolveu acabar com a nossa festa, como se estivéssemos a praticar um crime hediondo. Pura e simplesmente, não nos deixaram avançar mais, apesar de esclarecimentos vários prestados pelos porta-vozes do grupo.
Nos entretantos, mantive uma conversa deliciosa com um grupo de aproximadamente 10 candengues, entre os 5 e os 9 anos.
Depois da fase do quebra-gelo, que em Angola costuma durar apenas uns segundos, perguntei-lhes, individualmente:
- Se pudessem fazer uma viagem amanhã, que país gostariam de visitar?
De forma expontânea, 90% respondeu Brasil, os restantes 10% dividiram-se entre Barcelona e Portugal
Perguntei-lhes porquê.
- Por causa do Neymar, do Messi, do Cristiano Ronaldo...
- Ah! Entao é por causa do futebol!
- Eu quero ser jogador de futebol! - gritou um deles com convicção
Resolvi desafia-los com a pergunta "Quem não quer ser jogador de futebol, que levante a mão". Obviamente, nenhum deles levantou. Olhavam-me como quem observa uma ave rara.
- Ok, já percebi! Quero muito que sejam grandes jogadores de futebol. Mas também têm que estudar. Sabem porquê?
Miúdo 1: Porque faz parte da nossa vida
Miúdo 2: Para melhorar os nossos pais e as nossas mães
Miúdo 3: Para melhorar a nossa imagem
Fiz uns segundos de silêncio e depois o aplauso. Senti-me deveras emocionada. Era, definitivamente, a melhor foto que tirava, e sem máquina, no âmbito do projecto Vê Só!
Vemos aquilo que outros olham e não vêem.
VêSó é o acto de ver. Só. E ponto final.
Luanda, 25 de Julho 2015
P.S: sou eternamente grata a todos os membros da família VêSó, que deram sentido à minha estadia em Angola, Take II.
adoro os teus posts mana Nadia Tolentino "de Sousa"
ResponderEliminarMuito obrigada, mano Tolentas ;)
Eliminar<3
ResponderEliminarBeijinho, Linda
EliminarMuito bom Prima..."fly like a bird".
ResponderEliminarBjs