Flores no jardim ou na jarra? (Bogotá, Colômbia)
Chama-se Rebeca e ela é responsável pela mudança radical da minha forma de lidar com as flores. É extremamente meiga e cada semana usa uns óculos diferentes, mas sempre "fashion". A sua atitude jovial disfarça as rugas que ate parecem querer partilhar umas memórias guardadas ociosamente e que procuram o candidato ideal.
A primeira vez que a vi, quando caminhava num sábado solarengo de Fevereiro pela "Calle 26", fui atraída pelos óculos de sol amarelo-vivo a contrastar com o cabelo impecavelmente branco como só é possível nos spots publicitários da lixívia.
É uma das vendedoras de flores, cujo stock é infinitivamente menor do que o das colegas, o que faz antever as dificuldades que esta doce senhora dos seus setentas, terá que ultrapassar para sobreviver. Bom, talvez a palavra sobreviver seja demasiado forte para quem ostenta sempre um sorriso grátis e uma tranquilidade invejável.
Aproximei-me dela com o propósito de ajudá-la. Mesmo convicta de que nunca apreciei flores nas jarras, bouquets por mais criativos que fossem, arranjos originais, etc, estava certa que queria comprar-lhe umas rosas.
Foi então que me apercebi que as flores na Colômbia são "regaladas". Já tinha ideia que pudessem ser muito baratas pelo facto de serem exportadores de enormissimo porte, mas nunca pensei que fossem oferecidas. Meia dúzia de rosas custam cerca de 70 cêntimos de euro. E duram pelo menos uma semana e meia.
Desde esse dia, todos os sábados brindo a minha sala com flores. Girassóis, cravos, rosas, e muitas que eu não sei o nome. Mas sinto a energia que me proporcionam.
Quem diria! Das poucas vezes que me ofereceram um bouquet de flores no passado, puseram-me, inadvertidamente, numa situação pouco confortável. Como dizer à pessoa que amavelmente oferece aquilo que quase todas as mulheres do Universo adoram receber, que sou uma extra-terrestre em relação a isso? Achava um desperdício gastar uma fortuna numas flores que em poucos dias tinham a morte anunciada. Sempre preferi a planta no vaso, porque tinha a oportunidade de acompanhar a evolução de uma vida. Obviamente, estou a excluir aquela fase profissional desumana da minha vida, onde nao tinha tempo para me lembrar de beber água, quanto mais para evitar que as minhas plantas morressem à sede, numa solidariedade forçada. Flores no jardim, campo de flores, sempre foram a minha onda.
Dou por mim a falar no passado como se de repente passasse a amar flores na jarra. Penso que tem uma razão intrínseca. Este meu ritual de pintar um quadro de Van Gogh com flores cheirosas permite-me ajudar a amiga Rebeca e tenho a desculpa para uma boa meia hora de conversa semanal com ela, onde por momentos gozamos com a sociedade e viajo com ela num mundo onde o bom é bom e o belo é belo. Ponto.
Mas há coisas que nunca mudam. O verso da medalha. Continuo a detestar o cheiro a podre da água das flores, depois de uns dias. Continuo a ficar triste quando elas morrem. Continuo a nao saber lidar muito bem com a necessidade de as deitar fora (afinal de contas, eram seres vivos).
Entretanto, sempre apreciei receber uma flor. Silvestre, de preferência. Será necessário maior significado?
Bogota, 15 de Abril 2014
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