De volta ao Rio e nova morada: Favela Vidigal

Desta vez apetecia-me uma experiência diferente da anterior, em que fiquei no bairro mais caro da cidade maravilhosa, o Leblon.

Viver uns dias numa favela será, no mínimo, uma experiência única, pensei eu enquanto procurava disponibilidades de hostels na véspera de regressar ao Rio. Vidigalbergue estava como um dos albergues mais pontuados nos principais motores de busca, principalmente em relação ao requisito segurança. Testemunhos havia do género "não me senti tão seguro(a) noutras zonas do Rio, como me senti na favela Vidigal. Perante isto tudo, não havia razoes para recear...

O meu voo proveniente de Foz de Iguaçu aterrou no aeroporto internacional pelas 20:45 de sábado, 10 de Marco. Apanhei o ónibus e uma hora depois descia na paragem da favela Vidigal. Sem saber, desci numa paragem antes do albergue, na praça central da favela, onde um mar de gente confraternizava de varias formas.

O primeiro impacto foi um misto de receio e adrenalina.

Após caminhar a pouca luz, cerca de 100 metros de mochila as costas, cheguei a paragem certa(parada 14), atravessei a passagem superior e entrei timidamente no inicio da favela, onde estava estacionado uma viatura da policia, em serviço, e uma dúzia de agentes ca fora. Vi uma casa vermelha no cimo de umas escadas cujos degraus chegavam a ter quase meio metro de altura e pensei "não, não pode ser esse o albergue!".

E' claro que as minhas esperanças se dissolveram segundos depois, quando perguntei a um dos agentes da policia: "a entrada do albergue e' lá em cima, e' só subir um pouquinho nessa direcção".

Uma vez dentro do recinto, fui recebida pelo Pedro, um jovem português que trabalha no albergue e que vive há cerca de dois anos na Favela Rocinha. Decerto não consegui disfarçar a minha cara de desilusão...

Ainda não tinha jantado e a ultima coisa que me apetecia fazer era sair favela fora a procura de sítio para comer. Valeu-me uma pizza que o albergue me vendeu. Ainda não acreditava no que me estava a meter.

Entretanto, chegam a Carla e a Vivis, duas argentinas que já estavam hospedadas no Vidigal há uma semana. Vê-las ali deu-me um conforto enorme, pensei "não sou a única louca"!!!

Uns dedos de conversa com elas foram suficientes para começar a mudar de opinião. Afinal, o que parece no primeiro instante, não e'!

Cerca de uma hora depois, chegam mais duas argentinas ao hostel, a Gaby e a Gisela. Foi algo divertido rever-me nas caras de pânico delas, refém-chegadas.

E pronto. Eu já estava a começar a gostar da experiência do Vidigal.

Em noite de lua cheia, o nosso destino estava traçado: um luau na praia de Copacabana. Com DJ, mesa de mistura, cervejas e caipirinhas.

No dia seguinte, começamos um domingo muito brasileiro. Fomos a praia do Vidigal com a Ana (Irma do Andre, um dos sócios do Vidigalbergue) e devíamos (eu, a Carla e a Vivi) ser as únicas estrangeiras na praia, contrariamente as praias de Copacabana, Ipanema e Leblon, onde os brasileiros sao uma minoria. Os sacoles (versão saco de picolés) dessa praia sao uma delicia e a preços muito convidativos.

De barriga cheia de sol e mar, fui tomar um banho e encontrar-me com o Veri (sim, o Veri de Sampa que entretanto veio passar o fim-de-semana no Rio) e uns amigos no calçadão do Leblon. Eu e o Veri fomos jantar no restaurante japonês "Manekineko" no Leblon, onde não faltaram sashimis e mais sashimis, que eu já não comia desde Sampa. Por volta das 23:00, o Veri foi apanhar o ónibus para Sao Paulo e eu voltei para o Vidigalbergue. Entretanto, chegam mais três chicas argentinas, pertencentes ao grupo da Gaby e da Gisela (Vicky, Flor e Celeste). Eu não imaginava que ganharia amigas tão especiais...

No dia seguinte, decidi viver a favela. E sozinha. Enquanto as chicas argentinas andavam pelos spots turísticos, fiz-me a uma experiência "underground".

Apenhei um moto-taxi na praça principal e subi, subi e subi ate ao "arvorao", ponto como e' conhecido o ponto mais alto da favela onde a estrada chega. Mesmo ali, existe o albergue "Alto Vidigal", dono de um belo terraço sobre uma espectacular vista sobre Leblon e Ipanema. Este mesmo albergue organiza festas "sui-generis" e, por vezes, temáticas.

Fui descendo pelas ladeiras e degraus no interior da favela e cuja largura não permite passar mais de duas pessoas ao mesmo tempo. Vivi as cores, as texturas e a magia da favela.

Visitei também o teatro da favela, que costuma ser palco de actores conceituados. Infelizmente não havia um cartaz compatível com a minha estadia.

Mais umas ladeiras abaixo e encontrei um salão onde cortei o cabelo, por menos de 5 euros.

A expedição continuava favela abaixo, ruelas a esquerda, escadarias a direita. Uma paragem para comer açaí, outra para uns dedos de conversa com os locais, ate chegar ao albergue.

Duas baixas na família Vidigalbergue: a Gaby e a Gisela regressariam a Buenos Aires nessa noite.

Todos os dias havia baixas na "família Vidigal". Eu e Andre comentávamos no pequeno almoço do terceiro dia, o quão difícil e' apegarmo-nos 'as pessoas e vê-las partir logo de seguida...

Para mim, este tipo de gestão foi uma constante desde os meus primeiros anos de vida, ainda em Cabo Verde. Quanto cimentava novos bons amigos, chegava a altura da minha família mudar-se para mais dois anos numa ilha diferente. Cada dia que passa, tenho mais a certeza de que a sede de viajar, mudar as minhas coordenadas quando tenho a vida mais do que estável e, enfim, conhecer o mundo, vem dai. Fica aqui registado que não tenho culpa, apenas sou uma "feliz vitima" do meu destino. O feliz da vitima deve-se ao seguinte: apesar de não achar muito boa a ideia de ir deixando amigos pelo caminho (literalmente, apenas geograficamente), encaro sempre o lado positivo, o de encontrar novos amigos 'a minha espera, algures.

Bom, voltando ao Vidigal e aos tempos de hoje, a galera organizou uma ida a praia "Joatinga", uma praia tão pequenina como charmosa, imediatamente antes da Barra da Tijuca, sem nada do que e' habitual nas praias turísticas da cidade maravilhosa (bares, vendedores, etc), um Spot dos surfistas locais e dos hospedes do Vidigalbergue. Houve lugar para 'brincarmos' capoeira, sacarmos as ultimas fotos do grupo e simplesmente para desfrutarmos da natureza. Eram as ultimas horas de ferias de Vicky, Flor e Celeste, que seguiam para Buenos Aires nessa noite.

Depois das despedidas, abraços e promessas de reencontro próximo em Buenos Aires, desafiei a Sushi para o calçadão. Apanhei a van (carrinha que transporta o pessoal mais destemido, sendo a versão mais económica e eficiente de transporte publico no Rio - posso também chama-la de versão brasileira do candongueiro angolano, mas um pouco menos "underground") ate ao posto 9 da Praia de Ipanema, onde iniciamos a caminhada, rumo a Copacabana e Leme e regresso a Ipanema. No total, três horas CCC (caminhada, conversa e curtição), sem nos darmos conta do passar do tempo. Cada vez tenho mais a certeza de que o Rio e' uma das minhas cidades-eleição para viver. Poder respirar desporto ao ar livre, a qualquer hora e sem pagar nada e' o paraíso que procuro.

Finalmente, chegou o dia em que consegui convencer malta a fazer o tour de subida do Morro dos Dois Irmãos: na minha ultima manha no Vidigal. Já me encontrava no Vidigal há 5 dias e não conseguia um único aventureiro para tal (o quorum necessário era de apenas 2 pessoas). E, de repente, formava-se um grupo de 4, guiado pelo Pedro, do Porto. A parte física do tour começa próximo do arvorao (onde os moto-taxis nos deixam), sendo a subida do morro de uma inclinação mais do que considerável. Antes da cereja no topo do bolo, parámos em dois spots intermédios, com vistas soberbas sobre a favela da Rocinha e Sao Conrado, respectivamente.

O topo do Morro e' dono de uma vista indescritível, a 360 graus, sobre a cidade maravilhosa. Desde o Corcovado e o Cristo, passando pela Lagoa Rodrigo de Freitas, pelo Maracanã, pelas praias de Copacabana, Ipanema e Leblon, Sao Conrado, (...), enfim, daquelas vistas que, se não travarmos a nossa imaginação, lançamo-nos num belo voo, acreditando que temos asas. E não temos? As vezes, quase sempre, sim!

Não podia terminar da melhor forma, a minha curta vivência no Vidigal. O Vidigalbergue destaca-se pelos sócios (Andre e Luis) e pelo staff, sem excepções. O ambiente familiar e descontraído que fazem questão de "impor" no hostel não e' muito usual nos restantes e faz uma diferença enorme aos que por lá passam (e regressam, grande parte das vezes).

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