35 (Bali, Outubro 2012)


Com a sede de marcar uma viragem nesse número mágico, tomei decisões firmes e estritamente sentenciadas pelo coração. Pela primeira vez, a razão era aprisionada e asfixiada sem ter direito a uma segunda oportunidade.


Deixei o meu trabalho, os meus amigos e o meu lar. Deixei Angola, o gerador, as velas, a bomba de água, a cuca que nunca acabava, o stress, os esquemas, a criatividade na escolha das palavras, as cores, os embomdeiros, o semba, o povo alegre, o Pinto, a D. Lena, o Joca e o candongueiro, o Tio Jorge e toda a família da Chicala, os polícias de trânsito que depois de dois dedos de conversa desistiam de multar a "budjurra", as festas de quintal, as aventuras pelas províncias, Caboledo e Carpe Diem, as sessões de voz e guitarra dos mestres Paulo Flores e Tito Paris, as cachupadas na casa mais genuína de Alvalade, momentos únicos de euforia ou de silêncio com os manos Djay e Katya, as escapadelas com o General e a Madrinha, spa em casa às terças-feiras na companhia da doce Canti, ..., e puros momentos de criança com os meus Grandes amiguinhos Mauro e Santiago.
Sem olhar para trás, dediquei a mim própria um ano da minha vida. Um ano inteirinho para mim. Sem responsabilidades, calendários ou agendas. Sem fazer aquilo que a sociedade nos impõe. Chego até a gozar com ela, em certos momentos.



Precisava procurar algo. Não sabia bem o quê. Mas tinha que fazer milhas, até encontrar. De um simples desejo, o mundo abriu-se aos meus pés.


Depois de passar um mês a carregar baterias com a família em Lisboa, pus meia dúzia de T-shirts numa mochila e rumei para São Paulo (Brasil), o primeiro de muitos poisos nesta jornada. O Veri fez-me uma recepção sem igual e cheguei precisamente no dia da comemoração do novo ano chinês, vindo a saber muito mais tarde que o meu signo chinês também é Dragão. Estava em sintonia e não sabia.

Passei dois meses no Brasil e fiz amigos para a vida. Seguiram-se Uruguai, Argentina, Chile, Bolívia e Perú. Continuava a minha procura, sempre deixando amigos por onde passasse.


Enquanto fazia a caminhada de três dias da Trilha da Fumaça, na Chapada Diamantina (Bahia, Brasil), muito mais do que as paisagens deslumbrantes e acolhedoras, apreciei sem limites, o convívio e o companheirismo vivido entre o pequeno grupo especial e coeso. Flor (que acumulava as "funções" de guia, amigo, cozinheiro, conselheiro, entre muitas outras), Carla (executiva de sucesso, surfista por amor e uma inspiração de pessoa) e Júnior (uma enciclopédia que respira como os humanos, sensível e dono de um invejável humor).


No Rio, fiquei cinco dias na Favela Vidigal, uma experiência única, graças à família do Vidigalbergue. Foi lá que conheci as minhas manas argentinas.


A mana Marina do Porto lusitano estava à minha espera na cidade do fim do mundo, Ushuaia. Chegámos ao hostel à mesma hora, vindas em taxis diferentes e do mesmo voo. Ficámos cerca de dois meses a viajar juntas, duas engenhocas de canudo na gaveta e a correr mundo. Fizemos uma forte dupla, de grande companheirismo.

Na Bolívia e em parte do Peru, formámos uma família de seis elementos, internacionais. Eu e a Marina, os italianos Carla e Danielle e os alemães Julia e Tino. Espontaneamente, permanecemos juntos durante três semanas, aproximadamente, sem qualquer incompatibilidade. Apetecia-nos manter em família e isso bastava-nos.

No Salar de Uyuni, na Bolívia, no meio do deserto de sal, eu e a Marina tivemos mais uma das muitas experiências únicas. O director de cinema brasileiro, Eric, que estava a desenvolver um projecto muito interessante e cativante, convidou-nos a participar num filme-documentário sobre Amizade e Viagem. Sem pensar duas vezes e, movidas pela emocionante razão de fundo da película, aceitámos e, minutos mais tarde é que demos conta que ao nosso redor havia uma equipa técnica, com os equipamentos como manda o figurino e, nós, praticamente de pijama, prontas para ir dormir, estávamos a dar o nosso "melhor" para as câmaras.

Canadá foi uma revelação. Não imaginava ter uma experiência tão enriquecedora. Para além de respirar jazz, foi nesse país que me estreei no couchsurfing e fiz um dos meus melhores amigos da viagem.

No México entrei pela porta principal, onde estava o meu mano Pedro. Conheci também o Sérgio e família, uma vez mais, provando que os mexicanos são seres especiais. Em Queretaro, tive a honra de me estrear no programa de rádio "Muxima", de autoria do Pedro, como entrevistada.

A Guatemala, a par com a Bolívia, foi um dos países mais especiais nesta jornada. Não só pelas paisagens de cortar o fôlego, como também pelas amizades que fiz.

Antes de entrar de corpo e alma no sudeste asiático, fiz Nova York, Hawaii e Tokyo com a Vera.


Depois da Malásia, dei lugar a Bali. Vim por uma semana. Já estou no final da segunda e ainda não sei quando deixarei este paraíso energético.


A principal razão é que Encontrei o que procurava! Depois destas tantas milhas percorridas e que muito me ajudaram a encontrar agora, a agulha no palheiro. ENCONTREI!


Devo muito ao Roberto, à Dayu e ao Evert. E a toda a família do Pantai Mas.


Os 35 ficarão especialmente guardados na minha memória.


Encontrei-me, pouco antes de fazer 36.


E agora tenho um grande desafio: trabalhar como hobby, viver por amor.


Bali, 27 de Outubro 2012





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